Já foi entregue o prémio do Concurso de Contos sobre temática africana que HARAMBEE ÁFRICA PORTUGAL promoveu nos últimos meses de 2017.
A vencedora foi MATILDE TEIXEIRA DA SILVA, de 15 anos, associada do Clube Rampa, do Porto.
PARABÉNS, Matilde!
O prémio que a Matilde recebeu foi A Menina Que se Chamava Número 27, uma autobiografia em que Michaela Deprince, uma bailarina de origem africana, conta o seu percurso desde um orfanato da Serra Leoa até aos palcos de Nova Iorque.
O outro prémio que a Matilde recebeu foi ver o seu conto, «UMA VIAGEM ATRIBULADA», publicado no site de HARAMBEE ÁFRICA PORTUGAL. Aqui fica ele.
UMA VIAGEM ATRIBULADA
Matilde Teixeira da Silva
Numa cidade em Angola, viva uma família simples. Esta era constituída por uma mãe, Dalila, um pai, Dahoma, e dois filhos. Abasi, o filho mais velho, e Husni, o filho mais novo, que eram grandes amigos. No entanto, tinham as suas diferenças: Husni era sonhador e queria viajar pelo mundo. Enquanto Abasi estava sempre a pensar no seu futuro e achava que a sua cidade seria sempre a sua casa.
Dalila era dona de casa e Dahoma um advogado bem sucedido.
Eles viviam numa pequena casa, numa pequena cidade. Tinham poucos amigos, mas eram os suficientes. A sua vida era simples, mas boa. Os seus dias eram monotonamente iguais, menos um.
Esse dia foi quando o pai foi promovido a chefe dos escritórios, mas em Washington D.C.
– É uma grande oportunidade – replicou ele quando explicou a oferta à mulher.
– Foste promovido e estou muito orgulhosa, mas não acho que seja a melhor ideia.
Eles estavam a ter esta conversa em privado na cozinha. Ou pelo menos era isso que pensavam. O que não sabiam era que os seus filhos estavam a escutar tudo desde o início.
– Não posso acreditar. Nós vamos para a América! Não achas bestial? – Husni era um menino de doze anos, negro e pequeno, ao contrário do seu coração, que era maior que todos os outros.
– Não! Não acho bestial! Não quero ir a lado nenhum! Ainda por cima, é a América. Esse é o pior sítio do mundo. – Abasi não era tão calmo como o irmão. Ele era um rapaz de dezassete anos, negro, alto e magro. Quando as coisas não corriam como planeado, a sua reação não era a melhor. Pensava sempre antes de qualquer decisão. Ao contrário do Husni, que era mais impulsivo.
– O que queres dizer, Abasi? A América é o local onde os nossos sonhos se tornam realidade.
– Não, Husni. A América é um país repleto de pessoas más. Se formos para lá, vamos sofrer muito.
– Que alternativa temos? – interrogou-se o irmão mais novo. – O pai não vai recusar a oferta
– Vamos ter de descobrir por nós mesmos. – Dito isto, o irmão mais velho saiu do quarto.
– Abasi espera! – Mas o rapaz já estava a abrir a porta da cozinha.
Husni conseguiu ouvir, ao longe, a voz do irmão a dizer “Mãe. Pai. Eu e o Husni ouvimos tudo. Acho que a nossa opinião também deve ser ouvida.”
– Oh não. Ele tinha de dizer o meu nome!? – sussurrou para si mesmo a criança enquanto se dirigia à cozinha.
– Têm razão – concordou Dahoma quando o seu filho mais novo entrou na divisão. – Esta decisão afeta-nos a todos.
– Sim. A vossa opinião é tão importante como a nossa – acrescentou a Dalila.
– Eu acho que deviamos ficar – não demorou a dizer o filho mais velho.
– Eu também – apressou-se a anunciar a única mulher na sala.
– Eu quero ir contigo, pai! – disse a criança mais nova.
– Não. Já sei o que fazer. Vocês ficam aqui com a vossa mãe e eu vou – declarou o pai.
– Mas… – começou a mãe.
– Não. Acho que assim vocês têm a chance de ser uma família. E assim ganho um bocadinho mais de dinheiro para nos sustentar a todos – interrompeu-a ele.
– É realmente isso que queres? – perguntou, preocupada, a esposa.
– Sim – respondeu-lhe o marido, dando-lhe um beijo nas costas da mão.
– Mas eu quero ir! – repetiu Husni.
– Fora de questão – anunciaram as figuras paternais.
– Mas é uma grande opurtunidade. Viajar é o meu sonho. Por favor, deem-me uma chance de o realizar.
– Não sei. A tua educação é o mais importante para nós – contra-argumentou Dalila.
– Mas a América tem ótimas escolas. Melhores que as que há cá. Por favor, deixem-me ir – implorou ele, começando a chorar.
Os pais entreolharam-se e juntos tomaram uma decisão.
– Está bem, filho. Podes vir comigo – revelou Dahoma.
– A sério!? – As lágrimas continuaram a cair pela sua face, mas desta vez, de alegria. – Muito obrigado! Vocês são os melhores pais do mundo inteiro – agradeceu o filho, abraçando ambos. – Então? Quando partimos?
Dahoma ficou tenso e nervoso de repente.
– Bem… – gaguejou ele. – Daqui a dois dias.
– O quê!? – interrogou a mulher. – Não é tempo suficiente para preparar tudo. Como vamos fazer isto?
– Trabalhando em equipa – voltou a falar Abasi.
– Sim. Juntos conseguimos tudo! Vocês são a melhor família que alguém pode ter. Estou orgulhoso de ser da vossa equipa – revelou o filho mais novo, seguindo-se um abraço de grupo.
Os dois dias seguintes passaram a voar. A pressão para organizarem a viagem fê-los perder a noção do tempo. No entanto, conseguiram tratar de tudo a horas. Já tinham tratado do apartamento. Husni estava inscrito numa escola perto do trabalho do pai. Os bilhetes de avião já estavam comprados. E já estavam no aeroporto, à espera de entrar.
O pai e o filho encontravam-se na porta de embarque, tentando evitar as despedidas, mas falhando. Ouviu-se uma voz a anunciar que já se podia embarcar no voo para Wshington D.C.
Dalila estava a chorar nos braços do marido enquanto os irmãos se despediam.
– Então? Parece que é agora – começou o irmão mais velho.
– Sim. Vou ter saudades tuas – disse o irmãozinho, estendendo a mão.
Abasi ignorou-a e abraçou-o com muita força.
– Vou sentir tanto a tua falta – revelou o rapaz, deixando escorrer uma lágrima pelo olho.
Husni não se conseguiu conter, apesar de tentar, e também começou a chorar.
O abraço teria durado mais tempo, se a mãe não o tivesse interrompido.
– Os meus soldadinhos – choramingou ela ao aproximar-se dos rapazes. Depois, abraçou ambos. – Não sei se vou aguentar sem ti, meu príncipe.
Isso fez com que mais lágrimas jorrassem dos olhos do filho mais novo. Se ele pudesse, levaria a mãe e o irmão consigo. Mesmo que não o diga muitas vezes, ama-os com todo o seu coração.
Depois das despedidas, os dois entraram no avião e partiram. O voo foi calmo, mas Husni nem pensara nisso. Estava demasiado ocupado a pensar na sua nova vida.
Nesse mundo, ele não era o mais popular nem o mais inteligente. No seu sonho, ele era apenas uma criança normal, com poucos amigos, mas verdadeiros. Em África, ele não conhecia muita gente, mas esta era a sua oportunidade.
Mal saíram do avião, dirigiram-se para a sua casa nova. O apartamento já tinha sido comprado com mobília. Tinha dois quartos, uma casa de banho e a sala e a cozinha eram num só. Não era muito grande, mas o rapaz achava-a perfeita.
Levaram as suas coisas para o interior e instalaram-se. Husni já estava a preparar tudo para o dia seguinte. Estava muito entusiasmado para o primeiro dia de aulas.
Quando acabou de jantar, despediu-se do pai e foi-se deitar. Ele queria adormecer rapidamente para que a noite passasse depressa.
No dia seguinte, na ida para o trabalho, Dahoma levou o seu filho para a escola. Este começou a correr para as portas quando saiu do carro. Chegando à sala, não viu nenhum adulto, mas já se encontravam alunos sentados nas carteiras. Como não sabia para onde ir, ficou à porta. Estava a observar as pessoas a falarem e a conviverem. Ele também queria isso.
Perdido nos seus pensamentos, nem reparou que a profesora se encontrava atrás dele. Ela cumprimentou-o com um aceno de cabeça e dirigiu-se à sua secretária. Nesse momento todos os alunos se sentaram nos seus lugares.
– Bom dia, meninos! Temos conosco um aluno novo. O seu nome é Husni. Ele é africano e agora faz parte desta turma. Podes entrar, Husni – apresentou a senhora Robinson. O rapaz entrou na sala de aula e, quando o fez, sentiu que todos o olhavam de lado. – Então? Husni. Queres contar-nos alguma coisa sobre ti?
– B… bem. E… eu gosto de matemática. A minha cor favorita é azul. Oh! E adoro viajar. Foi por isso que adorei a oportunidade de vir para cá – gaguejou ele no início, mas depois conseguindo, finalmente, falar com entusiasmo.
– E como vieste cá parar? – perguntou, simpáticamente, a mulher.
– O meu pai foi promovido a chefe dos escritórios de cá. Ele é advogado.
– Mas que ironia. Está a defender criminosos em vez de estar na prisão – murmurou um aluno. Toda a turma se riu.
– Qual é a graça? – interrogou com um sorriso nervoso. Ele não tinha escutado a piada.
– Já chega meninos! Todos calados! – ordenou a professora. – Já te podes sentar Husni. Vai para a carteira atrás do Josh – apontou para o lugar.
Como todos tinham um companheiro do lado, Husni ficou sozinho ao fundo da sala. Quando se sentou, Josh olhou para trás e disse:
– Não penses que estás safo. Aquela piadinha não é a única coisa que consigo fazer. Eu não aceito os da tua raça aqui no meu território. Acredita, isto ainda nem começou. – Dito isto, o rufia volta a virar-se para a frente.
Husni estava chocado e triste, mas marioritariamente assustado. Ele tinha medo que ninguém quisesse ser amigo dele por causa da cor da sua pele. Infelizmente, esse medo tornou-se uma realidade. Todos gozavam com ele, faziam piadas sobre a sua família e até lhe batiam. O rapaz não falou com ninguém em relação a isto. Estava demasiado envergonhado e pensava que não o iam compreender. Sentia-se mais só que nunca. Era nestes momentos que desejava ter a mãe consigo para o abraçar. Ou o seu irmão para o animar como fazia sempre. Mas nenhum deles se encontrava com ele. O seu único desejo era que um amigo lhe caísse do céu e o guiasse. Felizmente para a criança, os seus sonhos realizaram-se.
Passadas semanas de maus tratos na escola, uma nova rapariga chegou. Ela era loira, tinha sardas, olhos verdes e não era nem muito baixa nem muito alta.
– Meninos, temos uma nova aluna na turma e o seu nome é Chloe – apresentou a professora. – Chloe, podes sentar-te lá atrás ao lado do Husni.
– Coitada da rapariga. Não vai durar muito – susurrou Josh, alto suficiente para toda turma ouvir e começar-se a rir.
A menina foi para o seu lugar, sem entender o motivo dos risos, Finalmente chegou ao seu lugar e sentou-se.
– Olá. Sou a Chloe – disse simpaticamente a rapariga.
Husni manteve-se no seu canto sem dizer nada, até que se apercebeu que ela estava a falar para ele.
– Estás a falar para mim? – perguntou, surpreendido, o menino.
– Claro! És o Husni, não és? – respondeu ela entre risadas.
– Sou.
Josh virou-se para trás e avisou:
– Cuidado com ele. A sua estupidez pode contagiosa.
– Porque é que estás a ser tão mau para ele? – interrogou-o agressivamente Chloe.
– Porque ele é diferente de nós! Não vês?
Nesse momento, Husni escondeu a cabeça debaixo dos braços.
– Eu não vejo diferença entre ti e ele. Espera… agora que olho bem… sim, há uma diferença. O Husni é digno de ser chamado pessoa. Quanto a ti, já não sei. – Dito isto, ela tirou as coisas da mochila como se nada tivesse acontecido. O Josh também acabou por se virar para a frente, sem nenhma resposta.
Husni, que normalmene se encontaria na posição em que esconde a cabeça, encontrava-se com um olhar chocado, fixo na Chloe.
– Porquê? – foi a única palavra que ele conseguiu pronunciar.
– Porquê o quê? – perguntou ela com um sorriso nos lábios.
– Porque me defendeste? Ninguém nesta escola gosta de mim – revelou ele tristemente.
– Bem, quem perde são eles – limitou-se a dizer ela, piscando-lhe o olho.
A partir desse dia, Husni nunca mais se sentiu sozinho. Ele finalmente tinha o que sempre desejara: um amigo. O rapaz continuava a ser gozado na escola e agora também gozavam com a menina. Já não lhe batiam, mas ele nem reparou. Sentia-se demasiado feliz para reparar que alguma coisa mudara. Eles passavam todos os seus melhores momentos juntos. Todos os seus dias eram maravilhosos, até que chegou uma visita inesperada.
Quando chegou a casa depois das aulas, Husni encontrou o seu irmão sentado à mesa com o pai. O menino estava pronto para o abraçar naquele momento feliz, mas percebeu pela cara de ambos que algo não estava bem.
– Abasi! Estás aqui! O que acontecu? – perguntou preocupado o irmão mais novo.
– Husni… – começou o pai. – É melhor sentares-te.
O rapaz obedeceu com medo da informação que iria receber a seguir.
– Husni… – Dahoma estava a tentar encontrar as palavras certas. – Husni… a tua mãe… a tua mãe morreu – declarou por fim. – Foi atropelada e… – ele não conseguiu continuar.
A criança não sabia como reagir. Ele não se mexia. Nesse instante, todos os momentos que tinha passsado com a sua mãe estavam a passar-lhe pela mente e, quando acabaram, apercebeu-se de que já não ia construir mais memórias como essas. Esse pensamento levou lágrimas aos seus olhos e abraçou o pai como nunca abraçara ninguém. O adulto, que tinha conseguido conter a tristeza, também começou a chorar. Ele chorou pela mulher, pela mãe dos seus filhos e pela sua melhor amiga. O filho mais velho também se juntou ao abraço e choraram pela pessoa que todos eles amavam.
Quando o momento acabou, todos se tentaram recompor. Ficaram todos calados, até qua o Abasi se atreveu a falar:
– Temos de voltar para Angola.
Os familiares ficaram surpreendidos, mas o pai concordou:
– Tens razão. Temos de voltar todos juntos como uma família.
– Não! Não podem! Agora que finalmente tenho uma amiga vocês querem ir embora?!
– Husni! Percebe! Ninguém neste país gosta de nós! Não nos aceitam! Tudo por causa da cor da nossa pele!
– Estás enganado! Não são todos iguais! Pelo menos a Chloe é uma amiga verdadeira. Ela defende-me sempre.
– O teu irmão tem razão. Eles tratam-nos de maneira diferente. Pior. No meu trabalho é igual. Temos que voltar.
– Não! Eu nunca vou voltar! – E, nesse momento, o rapazinho correu para fora de casa e fugiu.
Ele correu o mais depressa que pôde para tentar esquecer a tristeza e a raiva, e quando chegou ao seu destino, tocou à campainha.
Uma mulher alta, loira e muito bonita abriu a porta.
– Olá – disse simpaticamente. – Posso ajudar-te?
– Olá. Eu sou o Husni. Sou amigo da Chloe. Posso falar com ela? É urgente – respondeu Husni.
– Oh! És o Husni. A Chloe fala muito sobre ti. Que se passa? Não queres entrar? – perguntou, preocupada, a mãe.
– Não, obrigado. Mas a Chloe pode vir cá para fora?
– Claro que sim. Vou chamá-la – informou a senhora, desaparecendo dentro de casa. Minutos mais tarde, apareceu Chloe.
– Husni. Que aconteceu? Estás bem? A minha mãe disse-me que era urgente!
Nesse momento, Hsuni abraçou a amiga e recomeçou a chorar.
– Husni, que aconteceu? Porque estás a chorar? Por favor, fala comigo. – E foi aí que a menina também começou a chorar.
– A… a minha mãe f… foi atropela… atropelada – revelou entre soluços – E o meu p… pai quer que voltemos para África.
A rapariga abraçou-o com mais força e disse-lhe que ia ficar tudo bem.
– Posso ficar aqui contigo? – interrogou-a com esperança.
Ela, com tristeza por lhe apagar a esperança dos olhos, repondeu-lhe:
– Não podemos. O melhor para ti é ires para a tua casa.
– Mas a minha casa é onde tu estás.
– Não, não é. É onde a tua família está. Mas, até ires embora, podemos aproveitar o tempo que nos resta juntos. Que te parece? – Ela abriu a sua mão e esperou que o menino a agarrasse, o que aconteceu.
Passaram o resto do dia juntos. Foram ao parque comer um gelado e, no final do dia, foram para a praia ver o pôr do sol enquanto as lágrimas caíam dos seus olhos. Por fim, Chloe convenceu o amigo a voltar para casa.
Quando entraram, Dahoma abraçou o seu filho, pois estava a morrer de preocupação. Foi aí que anunciou:
– Desculpa Husni, mas amanhã partimos para Angola.
– Eu compreendo – declarou o rapaz muito triste e, de seguida, mirando a sua melhor amiga. – É o melhor para todos.
Ele dirigiu-se até à rapariga.
– Não fiques triste, Husni, vais voltar para casa – tentou ela animá-lo.
– Mas vou perder-te.
– Tu nunca me vais perder. Quando duas pessoas gostam muito uma da outra, elas estão sempre juntas. E eu sei que no futuro os nossos caminhos se vão voltar a cruzar. Basta acreditares.
E os amigos abraçaram-se pela última vez.